O corpo humano é objeto de significados e significantes social e culturalmente atribuídos ao longo da história da humanidade. Tais significados e significantes referem-se aos padrões de interpretação sobre homens e mulheres nos contextos das sociedades em que vivem num determinado tempo.
O corpo expressa a cultura de uma sociedade pelos diferentes signos que lhe são atribuídos: beleza, força, determinação, fragilidade, sabedoria, normalidade, anormalidade.
Nos primórdios da humanidade pouco se conhecia sobre o corpo biológico e sua constituição física. O corpo humano era visto como um corpo que organizava as funções sociais de homens e mulheres numa determinada sociedade, e até os dias atuais continua sendo assim. A definição dos papéis masculinos e femininos tem relação com o corpo biológico, particularmente o corpo da mulher em relação à função da reprodução da humanidade.
Nas sociedades antigas, os homens ocupavam o topo da hierarquia e a interpretação dada ao corpo humano era para explicar e justificar esse poder. Na atualidade, mesmo com as mudanças ocorridas com a inserção da mulher no mundo público e a ascensão feminina a espaços de poder na hierarquia social, ainda predomina a imagem masculina como centro e topo do poder social.
O corpo masculino significando força e determinação. O corpo feminino fragilidade e proteção. Foucault destacou que no século XVIII devido às mudanças no saber médico, os corpos e seu funcionamento passaram a ser objeto da ciência médica, o olhar sobre o visível e o invisível, sobre doença e saúde.
Segundo Foucault (1980a), a medicina contemporânea fixa para si própria como data de nascimento o final do século XVIII devido às mudanças na estrutura do saber médico. Essa nova estrutura consiste, principalmente, em uma nova maneira de olhar e falar sobre os corpos e seu funcionamento, sobre a doença e a saúde (VIEIRA, 2002, p.19).
O corpo é um lugar de controle social. Em Vigiar e Punir (1997) e História da Sexualidade (2007), Foucault destacou: “nossos corpos são treinados, moldados e marcados pelo cunho das formas históricas predominantemente de individualidade, desejo, masculinidade e feminidade”. Foucault (1987) ao tratar das relações de poder enfatizou que o poder existente nas relações humanas se dá a partir do corpo, sendo este objeto de dominação e de submissão. Ele analisou as múltiplas relações de poder que existem em nossa sociedade a partir das relações existentes nas instituições e entre as instituições e as pessoas, relações essas que Foucault nomeia de ‘micropoderes’ que são construídos também por meio da disciplina dos corpos.
Particularmente em relação à saúde do corpo humano essa relação de micropoder é essencial para o domínio das diferentes concepções de formas de viver e de relacionar-se com o corpo. O corpo humano é ao mesmo tempo objeto e sujeito desse poder, lócus da disciplina, que impõe uma relação de dominação e docilidade.
Na verdade, a sexualidade humana é regulada pelos processos de normatização ditados pela cultura e pela socialização das práticas no corpo. As práticas sociais desempenham papel de organização, regulação e legitimação das práticas sexuais, inclusive por meio dos saberes da ciência como a medicina, a pedagogia e o direito. Essa legitimação na saúde se expressa particularmente nas práticas dos profissionais de saúde e na medicalização dos corpos.
Os comportamentos e as práticas sexuais constituem um conjunto de experiências e vivências humanas enquanto seres sociais e individuais, e vários fatores contribuem para essa experiência, como, por exemplo, a história de vida da pessoa, a classe social a qual pertence, a raça/etnia, a orientação sexual, a geração, a família, a religião, os padrões culturais da sociedade em que vive, e por fim, a representação que cada indivíduo tem do seu próprio corpo e sobre sexualidade. O comportamento sexual de cada pessoa é construído ao longo de sua vida, e pode sofrer mudanças, tanto na prática quando na identidade sexual. A prática sexual individual pode modificar-se a partir do status social, da condição civil, da idade, do gênero e da orientação sexual, e inclusive por motivos de limitações provocadas por adoecimentos, sejam temporários ou permanentes. Os discursos sobre as práticas sexuais e as práticas de saúde expressam como o corpo é o lócus principal das representações sociais sobre sexualidade. Foucault (1987) refere-se ao corpo inteligível, que compreende o corpo físico e as interpretações e ideologias do sujeito desse corpo:
Hoje, o discurso sobre sexualidade na medicina está disperso e fragmentado em diferentes abordagens sendo que todas elas buscam explicações no corpo físico, nas definições baseadas na bipolaridade – normal/anormal e saudável/doente. A medicina ao buscar no corpo biológico explicações para a sexualidade reforça como normais àquelas que correspondem ao campo da reprodução humana e da heterossexualização. Manifestações da sexualidade tidas como desviantes, como, por exemplo, a homossexualidade e a transexualidade. Pesquisas foram realizadas para saber se havia diferenciação hormonal entre os heterossexuais e os homossexuais. Até pouco tempo a homossexualidade era considerada uma doença e tinha código de identificação de doença – CID - para classificar a anomalia.
A sexualidade humana tem como base a binaridade sexual: masculino e feminino que se expressam e são identificadas como: heterossexual (atração pelo sexo oposto); homossexual (atração pelo mesmo sexo); bissexual (atração pelos dois sexos); transexual (que passa de um sexo para o outro) e intersexual (portador de características de ambos os sexos). As práticas e identidades sexuais vão além dessas classificações e expressam como homens e mulheres vivenciam suas sexualidades em determinados momentos e culturas. Parker (2000) destaca:
"As práticas de saúde têm sido um espaço de medicalização do cuidado a partir do saber médico e da visão do corpo biológico, muitas vezes desconhecendo práticas de cuidado inerentes ao cotidiano de mulheres e homens, reforçando os modelos da assimetria de classe, gênero, raça/etnia numa perspectiva subordinadora e não emancipatória. Tornam-se práticas prescritivas e autoritárias."
As representações sociais sobre corpo e sexualidade dos profissionais de saúde estão presentes nas suas práticas de saúde e nas suas falas.
Texto de Kátia Maria Barreto Souto.
Obrigado pela partilha deste e outros artigos. e boa sorte, saúde
ResponderExcluirMuito interessante, sempre é ótimo achar sites com esse perfil a disposição da sociedade !
ResponderExcluirObrigada, volte sempre. ;)
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