
"A ontologia da relação será o fundamento para uma antropologia que se encaminha para uma ética do inter-humano. Diz-se então que o homem é um ente de relação ou que a relação lhe é essencial ou fundamento de sua existência." (p. 29) Com isso, observamos o encontro do pensamento de Buber com a fenomenologia. Buber definiu duas atitudes distintas do homem face ao mundo ou diante do ser: essas atitudes se traduzem pelas palavras-princípios "Eu-Tu" (relação) e "Eu-Isso" (relacionamento). A primeira é um ato essencial do homem, atitude de encontro entre dois parceiros na reciprocidade e na confirmação mútua, o Eu é uma pessoa e o outro é o Tu. Na segunda, o Eu é um sujeito de experiência, de conhecimento, e o ser que se lhe defronta um objeto. É a utilização, atitude objetivante. O Tu é primordial e consequentemente o Isso é posterior ao Tu. "No princípio é relação".
As duas palavras-princípio fundam duas possibilidades do homem realizar sua existência. A palavra Eu-Tu é o esteio para a vida dialógica, e o Eu-Isso instaura o mundo do Isso, o lugar e o suporte da experiência, do conhecimento, da utilização. A alteridade essencial se instaura somente na relação Eu-Tu, pois é no encontro dialógico que acontece uma recíproca presentificação do Eu e do Tu. No relacionamento Eu-Isso o outro não é encontrado como outro em sua alteridade. Na relação dialógica estão na "presença" o Eu como pessoa e o Tu como outro.


"O mundo do Isso, ordenado e coerente, é indispensável para a existência humana; ele é um dos lugares onde nós podemos nos entender com os outros. Ele é essencial na vida humana, mas não pode ser o sustentáculo ontológica do inter-humano. A afirmação de prioridade ao diálogo no qual o sentido mais profundo da existência humana é revelado não nos deve levar à conclusão de que a atitude Eu-Isso seja algo de negativo, inferior ou um mal. A contrário, ela é uma das atitudes do homem face ao mundo, graças à qual podemos compreender todas as aquisições da atividade científica e tecnológica da historia da humanidade. Em si o Eu-Isso não é um mal; ele se torna fonte de mal, na medida em que o homem deixa subjugar-se por essa atitude, absorvido em seus propósitos, movido pelo interesse de pautar todos os valores de sua existência unicamente pelos valores inerentes a esta atitude, deixando, enfim, fenecer o poder de decisão e responsabilidade, de disponibilidade para o encontro com o outro, com o mundo e com Deus. Enquanto humanas, as duas atitudes são autênticas." Buber dizia que "se o homem não pode viver sem o Isso, não se pode esquecer que aquele que vive só com o Isso não é homem".

Buber ja diagnosticava, em 1923, uma tendência da sociedade contemporânea (que ele chamou de "doente") de contribuir para uma degradação do sentido do humano. Mas a nostalgia do humano, nele provocada por situações de profunda crise no mundo dos homens onde a controvérsia e cisões imperavam, aliava-se a uma profunda esperança no poder de relação, na força do diálogo que faria do homem uma pessoa livre e responsável diante de seu destino.


Referência: Eu e Tu. Martin Buber. Tradução do alemão e introdução por Newton Aquiles Von Zuben. São Paulo. Centauro, 2001.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirPor que os citados filósofos "existencialistas" não dialogaram com o desafio de suas existências? Pois é apenas dito que eles permaneceram enclausurados em seus "áridos sistemas, teses e abstrações".
ResponderExcluirÉ uma pena que o texto não tenha tornado minimamente presente a fala dos acusados, a fim de demonstrar minimamente o que diz.Talvez o texto não tenha a intenção de ser dialógico.
As palavras da autora Isabela de França Meira traduzem com precisão o espírito bondoso da Filosofia de Martin Buber; assim também o faz Oswaldo Montenegro na canção Vale Encantado. "Eu e Tu" lava qualquer alma humana!
ResponderExcluirDesculpem-me. Uma correção: a música de Montenegro na verdade é "Sem Mandamentos", composta para a peça de teatro "Vale Encantado". Obrigado.
ResponderExcluir