Bem vs. Bondade segundo Vasily Grossman

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015 | 13:38 | Por Comente!
Vasily Grossman
Em que consiste o bem? Em que consiste a bondade? O que as diferencia? “Existirá um bem universal, aplicável a todas as pessoas, a todas as tribos, a todas as situações da vida? Ou será que o meu bem está no mal para ti, o bem do meu povo está no mal para o teu povo? Será o bem eterno, imutável, ou o bem de ontem torna-se o mal de hoje, enquanto o mal de ontem se torna o bem de hoje?” É o que é questionado em “Vida e Destino”, de Vasily Grossman. Segundo reflexões provocadas por Vasily, a noção de “bem” vem sendo reduzida quando o bem é particular, pertencente a algum grupo, perdendo, assim, o caráter universal.

Sendo assim, surgem vários “bens particulares”, o bem para os cristãos, o bem para os muçulmanos, o bem para os judeus... Há o bem dos ricos e dos pobres, dos brancos e dos pretos, e assim por diante... De fragmentação em fragmentação, o bem surge dentro de um grupo, separado dos diferentes, seja pelo critério que for – raça, classe, religião, etc. E o Outro – qualquer um que estiver “fora do círculo fechado” desse grupo – já não é mais abrangido por esse bem. Os que lutam pelo seu bem particular, tentam passar-lhe um caráter de aparência universal, afirmando que “seu bem” é o necessário para todos.

Assim, o bem, tendo perdido o caráter universal, um bem isento de bondade, o bem de um grupo particular, começa a lutar contra tudo o que este bem, pequeno e fragmentado, considera um mal, sendo, portanto, causa de muitos males. O cristianismo, por exemplo, causou muito mais derramamento de sangue e sofrimentos do que crimes de bandidos que praticavam o mal pelo mal. Tudo isso porque também se fragmentou nos círculos do bem particular, pequeno. Com essa reflexão, Vasily deixa a impressão de que o oposto da bondade não é o mal, mas sim o bem. O bem seria então essa coisa fragmentada e particular, capaz de se tornar num mal maior do que o próprio mal.

Mas o que é, então, a bondade? Onde se dá a diferença entre o bem e a bondade?

Nesse paradigma, além do bem grande e terrível, existe uma “bondade humana do cotidiano”. Uma bondade particular do homem em relação a outro homem, uma bondade desinteressada, sem testemunhas, pequena, sem raciocínio, sem ideologia, sem intenção de ser universal. Uma bondade humana fora do bem religioso e social, refletida em pequenos atos, cotidianamente. Vasily diz que a bondade sem sentido, particular e ocasional, é eterna; pois abrange tudo o que é vivo. Como na Segunda Guerra Mundial, em tempos em que várias loucuras terríveis eram cometidas em nome do bem universal, em tempos em que as pessoas já não pareciam mais seres humanos, a bondade sem sentido, mísera e espalhada, não desapareceu. 
“A bondade da velha que oferece uma fatia de pão ao prisioneiro de guerra, a bondade do soldado que deu a beber do seu cantil ao inimigo ferido, a bondade da juventude que teve pena da velhice, a bondade do camponês que escondeu na casa um velho judeu ou do homem que apesar de pouco que tem para comer dá a aquele outro que nada possui.” 
Essa bondade pura, absurda, sem sentido, instintiva e cega é o que constitui o humano num ser humano, é ela que distingue, segundo Vasily, o ser humano dos outros seres, é o que de supremo foi conseguido pelo espírito humano.

Porém, ao questionar o bem humano, o autor questiona também a bondade e sua pequenez, sua impotência. Que proveito ela teria se não é contagiosa? “Como é possível transformá-la numa força sem a ressequir, sem a perder pelo caminho, como a igreja a ressequiu e perdeu?” ele questiona. Para Vasily, “a bondade é forte quando é impotente, ao querer transforma-la numa força, ela perde-se, apaga-se, desbota, desaparece.” 

“Na impotência da bondade sem sentido está o segredo da sua imortalidade. É invencível. Quanto mais estúpida, absurda e desamparada, tanto maior ela é. Perante ela, o mal é impotente. (...) Ela – amor cego e mudo – é o sentido do homem” (2013, p. 411) Nesse sentido, a história da humanidade não tem sido uma batalha do bem vs. o mal, mas sim uma batalha do grande mal a tentar “triturar a semente do humanismo”. Mas, se a essência de humanidade não for morta no homem, o mal será incapaz de vencer.

Isabela de França Meira

Referências: GROSSMAN, Vasily. Vida e Destino. 2013. 



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